Cinco pessoas em uma sala de estudos com energias concentradas em um único ponto em comum, fagulhas de provocações detonam uma reação em cadeia e então... BANG! Um universo de ideias se expande e se alastra pelos dois dias seguintes e pelo próximo... e o próximo... e o próximo... Daqui de onde escrevo as ondas dessa explosão ainda estremecem o meu imaginário, conforme testemunham os meus pensamentos retorcidos pelas forças gravitacionais das ideias que compartilho abaixo.
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"Enquanto isso, na órbita do piano..." |
Gosto de pensar que o início de um processo criativo seja como estar na fronteira entre um universo já expandido e outro que ainda se expandirá. Os elementos necessários para a gênese da obra – nós cinco – estão ali, mas ainda é cedo para cogitar algo sobre como esses elementos e suas emergências irão se organizar. Podemos até formular hipóteses com base no que houve no horizonte atrás de nós, no entanto, é muito mais como se estivéssemos à sorte de um Efeito Borboleta de ideias que se chocam, fundem, dividem e se agrupam: um rasqueado acidental no violão aqui pode gerar uma seção inteira acolá. Sêneca disse que “nenhum vento é favorável a quem não sabe para onde quer ir”. Talvez, nesse caso, não saber para onde ir é uma vantagem para quem ainda não tem para onde ir: qualquer direção pode virar destino.
Para um observador em um ponto fixo fora da nave, tudo que ocorreu em nossas primeiras oficinas pode parecer – e apenas parecer – não fazer muito sentido, e é aí que reside o que há de mais precioso: tudo pode ser qualquer coisa e qualquer coisa tem o potencial de ser tudo. É a minha Teoria de Tudo – desculpas pelo atrevimento, Hawking. Ah! Falando nisso, o título do livro “O universo numa casca-de-noz” de Stephen Hawking (1942 – 2018) faz alusão a uma citação da obra Hamlet de William Shakespeare (1564 – 1616): “Eu poderia viver recluso em uma casca-de-noz e me considerar rei do espaço infinito…” (Shakespeare, Hamlet, Ato II, Cena II). Hawking relaciona a citação à capacidade da nossa mente de – apesar das nossas limitações físicas – explorar o universo para além de fronteiras que nem mesmo Jornadas nas Estrelas almejou alcançar. Mesmo recluso, Hamlet poderia ter acesso a infinitos mundos e universos através de um poder irreprimível: a imaginação.
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"Tem marmota aí" |
Quando estávamos na sala de estudos explorando timbres, gestos, movimentações e improvisos com frases de “mil novecentos e guaraná com rolha”, foi esse poder imaginativo que vi em ação. Nos improvisos que realizei com a flautista Gina Arantxa para testar materiais e ideias à peça “Novos sururus e quiprocós de um convescote chumbrega”, experimentei a fusão de dois universos gerar um uno em que as singularidades são mantidas – daqui ouvi Newton gritar: “Mas que banzé é esse?”. Enquanto Renan e Sabrina, sentados um de frente para o outro, elaboravam uma série de jogos de diálogos e intervenções para “Tudo é perdido quando o desejo fica repartido” – peça para casal de violonistas e assistência off stage –, presenciei uma reação em cadeia em que a ideia de um vai para o outo, retorna modificada, se soma a uma outra ideia e assim por diante, em uma dança de corpos que conflitam e colapsam até se estabelecerem em um sistema. Observando, me perguntei: “O que há no outro que não vejo em mim?” e “O que há em mim que eu não vejo no outro?”. Essas questões se coadunam com provocações trazidas por Heitor aos ensaios: “Qual a diferença entre você e qualquer outro músico especialista no mesmo instrumento?” e “Quais as suas particularidades e interesses técnicos e expressivos?”. Creio que a identidade tenha sido um dos principais motes dessa nossa primeira etapa de trabalho.
Na mesa redonda que realizamos no Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS no nosso segundo dia de trabalho, um dos tópicos discutidos foi justamente a questão da valorização da identidade em um trabalho colaborativo. Já tive a oportunidade de trabalhar com Heitor em “As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores – Sarau para pianista e assistentes com leituras de Camões, Dante, Homero e Shakespeare”, estreada em 2017. Nessa experiência, o mais marcante foi justamente perceber o modo como Heitor utiliza ideias pensadas com o intérprete e a partir do intérprete. Nesse novo trabalho com o Coletivo N·S·L·O, percebo que teremos uma expansão do que ocorreu em “As gerações [...]”, dado ao complexo sistema de pensar-com-e-a-partir-de que temos agora. Criar algo a partir de especificidades e singularidades é uma atitude corajosa frente ao colossal buraco negro das generalizações que reside no centro de nossa galáxia.
Agora só me resta dizer em alto e bom tom: "AO INFINITO E ALÉM!".
Vejo vocês em breve entre os sururus e convescotes da vida.
Na foto com todos em torno do piano, chama atenção o cartaz ao fundo: "Favor não mudar o piano de lugar"
ResponderExcluirHahaha Verdade! Provocante. O irônico é que o piano estava em seu "lugar" na sala mas não estava sendo usado como um "piano em seu devido lugar". Mal precisamos movê-lo para deslocá-lo. Pensando umas coisas aqui... Hahaha.
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