Que ideia de colaboração? Identidade

Nos dias 29 e 30 de novembro e 1º de dezembro de 2018, aconteceu a primeira oficina de criação colaborativa do Coletivo N·S·L·O, em Porto Alegre-RS. Em meio a outras atividades necessárias para ajustar os detalhes da realização do projeto, essas oficinas, realizadas sempre no período da tarde, foram o ponto de partida para o aspecto propriamente artístico da empreitada. Em cada dia, a discussão abordou determinados temas de caráter geral ou específico em relação às peças que pretendemos desenvolver.

Quinta-feira, 29 de novembro: aspectos gerais 

O primeiro dia foi reservado para aspectos gerais como as metas e as questões que norteiam a colaboração artística.

O projeto do Coletivo N·S·L·O, contemplado pelo programa Rumos Itaú Cultural 2017-2018, é caracterizado como um projeto de criação em música. Interessa, principalmente, o repertório que iremos gerar ao final desse processo, que é de comunicação à distância, pontuado por encontros presenciais em locais distintos. As atividades do projeto visam à difusão dos resultados, à formação e ao intercâmbio de experiências e saberes.

Para cada etapa, temos como meta realizar estreias de peças que deverão ter, cada uma, entre 8 e 15 minutos de duração. As metas específicas de estreias estabelecidas foram:
Mossoró-RN, março 2019
  • Novos sururus e quiprocós de um convescote chumbrega (flautista, pianista e assistência)
  • Tudo é perdido quando o desejo fica repartido (casal de violonistas e assistência)
Ribeirão Preto-SP, junho 2019
  • Charlas (quatro performances musicais intimistas)
Cáli-Colômbia, outubro 2019
  • Episódios de viagem I: [subtítulo] (violonista e pianista)
  • Episódios de viagem II: [subtítulo] (flautista e violonista)
Palmas-TO, março 2020
  • Episódios de viagem III: Rosa dos ventos (quatro músicos e assistência)
Para os concertos, este repertório será cumulativo, ou seja, em cada cidade voltaremos a interpretar, possivelmente com espaço para revisões, as peças estreadas na(s) cidade(s) anterior(es).

Compreendidas as metas, abordamos uma série de questões sobre o projeto, a proposta artística, os perfis individuais dos membros do coletivo e as possibilidades de escrita e performance.

A conversa sobre as propostas das peças e sobre essas questões provocou uma série de trocas sobre aspectos técnicos, conceituais e pessoais, das possibilidades dos instrumentos, dos interesses e desejos de cada artista... Levou-nos a questionar o sentido do nosso fazer artístico e entender o Coletivo N·S·L·O como um espaço de participação e expressão compartilhada.

As peças terão como característica marcante gerar desafios para os músicos e para o público quanto à natureza do evento de fruição da música de concerto produzida nos dias de hoje. O trabalho criativo irá abordar as próprias relações estabelecidas entre compositor-performer-público e os materiais e recursos estéticos colocados em jogo dentro de cada peça.

A ideia marcante desse primeiro dia de discussões foi a de que o cerne da colaboração está criar uma convergência de interesses, de tal maneira que haja máxima identificação com o trabalho da parte de todos os envolvidos.

Sexta-feira, 30 de novembro: duos para Mossoró

No segundo dia, exploramos propostas mais específicas sobre os duos da primeira etapa. 

Para Tudo é perdido... experimentamos diversos jogos nos quais as relações entre dois violonistas no espaço de performance são filtradas pela concretude das presenças e interações de Sabrina e Renan e pelo imaginário das interações entre Macbeth e Lady Macbeth na tragédia de Shakespeare.

Sabrina e Renan improvisam na sala 1 do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS.

Uma estrutura de ações abstraída do texto dramático serviu de estímulo para explorações ─ como servirá também de referência para o avanço da escrita. As improvisações geraram muitas imagens e ações com ou sem implicação sonora, inclusive a possibilidade de cada violonista interferir no instrumento do outro quando se posicionam frente a frente.

Para Sururus..., a exploração prática se deu com improvisações em duas camadas: 
  1. execução instrumental baseada em dois elementos: "platôs" (ideias musicais estáticas/repetitivas) e "percursos" (transições entre platôs);
  2. burburinho vocal a partir de uma lista de expressões obsoletas.
Essa exploração permitiu pré-visualizar os resultados deste dispositivo de organização de materiais sonoros, gerando, por exemplo, relações de defasagem entre flauta e piano e distintas expressividades. Casualmente, as expressões obsoletas forçam uma moldura de sentido sobre os conteúdos sonoros-instrumentais.

Também apresentei um plano estrutural para a peça, que pretende contrastar a representação de distintos ambientes de performance musical: piano bar e recital de música contemporânea, além de alternar esses ambientes com envolvimento da assistência por meio de jogos com burburinhos e pequenos textos apresentados em cartazes.

O planejamento apresentado para cada peça tinha ideias abstratas sobre a estrutura e possíveis materiais. As explorações deste segundo dia de oficina proporcionaram o enquadramento de sonoridades e imagens mais concretas que ficam em minha memória para iniciar o trabalho de escrita.

Sábado, 1º de dezembro de 2018: prévias das demais etapas

O terceiro dia de oficinas foi dedicado a conversas prévias sobre as peças projetadas como metas para as etapas posteriores do projeto, ocasionando trocas de ideias e explorações sonoras.

As explorações tiveram dois motes:
  1. as possibilidades sonoras dos instrumentos quando tocados bem próximos do ouvinte/espectador, tendo em vista que a proposta para as Charlas é que sejam peças intimistas, interpretadas para apenas uma pessoa como público de cada vez;
  2. elementos das pesquisas individuais que possam ser transformados em materiais para as peças, seja como abordagem para a escrita, seja como elementos visuais, gestuais ou textuais.

Dario compartilha possibilidades de timbres do piano com os colegas de criação.

Aspectos práticos, como a preocupação com a segurança do/a performer sozinho/a em uma sala com uma pessoa estranha também foram abordados. Essa preocupação, aliada a possíveis elos entre as charlas individuais leva-me à noção de trabalhar essas performances em pares. Ou seja, o espectador/ouvinte é levado a um espaço para experimentar duas charlas distintas em sequência. Assim, cada performer serve de apoio e proporciona revezamento à sua dupla, gerando possibilidade de auxílio com recursos técnicos e, na composição, ligações formais ou expressivas. Os pares para as charlas seriam os mesmos da primeira rodada de duos: Dario e Gina; Renan e Sabrina.

Nas próximas semanas, vou produzir postagens relacionadas ao estado atual de planejamento de cada uma das peças estabelecidas como metas para a construção do repertório do coletivo. Esses registros iniciam a caracterização deste blog como diário de bordo e parte de uma metodologia que encara todo o percurso como pesquisa artística e pretende dar concretude e consistência ao conhecimento encorporado e relacionado a essas práticas.


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